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Aspetos Básicos

Introdução

O ECG é um exame que permite o registro extra-celular das variações do potencial elétrico do músculo cardíaco. O que vemos no ECG é fruto das ondas elétricas vindas do coração. Essas ondas elétricas são na verdade a representação do fenômeno de despolarização e repolarização da células do coração. As células do miocárdio tem um potencial de repouso de -90mV, resultante de um equilíbrio dinâmico entre as forças do gradiente químico (há mais potássio no interior da célula e mais sódio e cálcio no exterior da célula) e elétrico. 
Quando a inversão da carga elétrica da membrana celular (despolarização) se propaga em direção a um eletrodo, temos uma onda positiva. Do contrário, a onda é negativa.

Foi desenvolvido em 1903 pelo Dr. Willem Einthoven. Por isso, o médico holandês recebeu um prêmio nobel em 1924.

O estímulo elétrico inicia-se normalmente nas células do nó sinusal (NS). Após passar pelo nó átrio-ventricular (NAV), a condução elétrica percorre rapidamente os feixes de His, estimulando os 2 ventrículos a partir do endocárdio.

Na despolarização atrial, como o nó sinusal se encontra na porção superior do átrio direito, ocorre primeiro a despolarização desse átrio (AD), seguido da depolarização do átrio esquerdo, formando um vetor resultante para esquerda e para baixo. Na despolarização ventricular, primeiro ocorre a ativação do septo interventricular (1). Depois, como a massa do VE é maior que a do VD, o vetor resultante dessa fase 2 normalmente se dirige para esquerda (2). E por último ocorre a ativação das porções basais dos ventrículos, formando o vetor (3). Esses três vetores foram, no traçado eletrocárdiografico, o complexo QRS, conforme mostrado abaixo.

Como entender ECG de forma simples?

Boa parte das pessoas quando tentar aprender a ver ECG termina decorando uma série de regras e parâmetros, mas termina não entendendo de fato a física por detrás do método. Basicamente, a grande maioria dos dados obtidos através do exame pode ser entendida através do conceito de vetores. É justamente aí que muitos se perdem.

Façamos uma analogia: imagine que você está em um estádio de futebol durante a noite, completamente escuro e que há uma ambulância com os faróis apagados e com a sirene ligada trafegando no campo. Você não consegue enxergar a ambulância na escuridão. Será possível, então, definir para onde a ambulância está se movimentando?

Obviamente, isso não poderá ser feito pela visão; a escuridão é completa, mas é possível ,sim, ter uma noção da movimentação do veículo através do barulho de sua sirene. Como se sabe, à medida que uma ambulância se aproxima de uma pessoa, o som que esta escuta ca cada vez mais agudo. Quando ela se afasta, o contrário ocorre e o som torna-se cada vez mais grave.Imagine então que nós colocamos 3 pessoas espalhadas ao redor do campo.

Podemos, então, pedir para que cada pessoa faça uma representação gráfica do que está escutando. Caso o som da ambulância esteja cando cada vez mais agudo, a pessoa desenha uma onda positiva (para cima). Se o som estiver cando cada vez mais grave (ambulância se distanciando), a pessoa faz uma curva para baixo (negativa). Por m, se o som estiver inicialmente cando mais agudo e, em um segundo momento, mais grave, a pessoa faz uma curva com a parte inicial para cima (positiva) e a parte final para baixo (negativa). Considerando que a ambulância estivesse saindo da esquerda para a direita, teríamos o que se vê na figura abaixo:

Ou seja, nesse caso não conseguimos ver o movimento de fato da ambulância devido à falta de luz no estádio, mas através de um outro dado (som), e com a ajuda de pessoas localizadas em diferentes pontos, podemos inferir como a ambulância está se movimentando no espaço do campo.
Na última figura, podemos resumir o movimento da ambulância através da seta localizada logo à sua frente. Esta representação nada mais é do que o que os físicos usam para exemplificar um vetor. O que é isto exatamente? Qualquer força que tenha amplitude, direção e sentido pode ser representada por um vetor. Para simplificar: no exemplo dado, o som da ambulância tem uma amplitude (quanto maior o volume da sirene, maior a sua amplitude), tem uma direção (no caso mostrado a direção é horizontal) e tem um sentido (no caso mostrado, da esquerda para a direita).
OK, mas o que é que danado que isso tem a ver com coração e ECG? No caso do coração, sabemos que através de uma série de mecanismos o mesmo é capaz de gerar energia elétrica. É essa energia que vai gerar os traçados vistos pelo eletrocardiógrafo. Mas como? Pelos mesmos princípios falados acima. O coração seria a ambulância que nós gostaríamos de enxergar mas não conseguimos porque ele está “escondido” dentro do tórax do paciente. Então, para conseguirmos dar um jeito nisso, podemos no lugar do movimento captar a energia elétrica emitida pelo órgão, da mesma forma que no caso da ambulância captamos o som emitido pela mesma. OK. No caso da ambulância quem escutava os sons eram pessoas colocadas ao longo do campo. E no ECG? Quem irá “escutar” a energia elétrica emitida pelo coração? Eletrodos que colocamos na superfície do corpo do paciente. Exemplo:

No caso acima colocamos 3 eletrodos no paciente (um em cada braço e um na perna esquerda). Considerando que o movimento complexo da energia elétrica gerada pelo coração pudesse ser simplificado, para fins de ensino, em apenas um vetor como mostrado na Figura abaixo, teríamos os traçados que vemos nessa figura em cada eletrodo.

Ou seja, através de apenas três eletrodos colocados no paciente, podemos inferir que a energia elétrica que percorre o coração está se movimentando da direita do paciente (nossa esquerda) para o lado contralateral. Se colocarmos mais eletrodos, podemos saber se esta energia está indo para cima ou para baixo, para frente ou para trás etc.

Por que chamamos as ondas de P, QRS e T?

Primeiro, vamos entender o que significa cada uma das ondas presentes no ECG.

A onda P representa a despolarização atrial, e o intervalo PR representa o intervalo entre a despolarização das células do nó sinusal até o início da despolarização do miocárdio ventricular. 
O complexo QRS representa a despolarização ventricular. A repolarização atrial também ocorre nessa fase, mas como a massa do ventrículo é maior, não é possível avaliar a onda Ta na maioria das vezes. 
E a onda T, a repolarização ventricular. 
Pode haver a presença da onda U, principalmente em V3 e V4. É uma deflexão pequena e arredondada, que tem polaridade semelhante à onda T (com amplitude 5 a 25% da T). Sua gênese é controversa; poderia representar os pós-potencias do miocárdio ventricular e a repolarização das fibras de Purkinje. 
O intervalo QT representa a sístole elétrica ventricular, correspondente ao tempo total de despolarização e repolarização dos ventrículos no ECG. 
Já o segmento ST é analisado entre final do QRS ao início da onda T. Infra ou supra-desnivelamento desse segmento pode sugerir doença coronariana aguda, sobrecarga ventricular ou alguns outros diagnósticos diferenciais, como será discutido nos tópicos de interpretação nesse curso.

Como saber se o ECG está na pradronização correta?

No ecg, um quadrado pequeno corresponde a 1 mm no traçado. Um quadrado grande por sua vez é formado por 5 quadrados pequenos de altura e por 5 quadrados pequenos de largura. 

Normalmente, cada quadrado pequeno na horizontal corresponde a 40 milissegundos (ms) de duração. Assim, um segundo corresponde a 25 quadrados pequenos. Desta forma, a regra é que a velocidade do papel do eletro seja de 25 quadrados pequenos por segundo o que é o mesmo que dizer 25 milímetros por segundo (25 mm/s). 

Já em relação à amplitude, o padrão é que 10 quadrados pequenos verticais correpondam a 1 milivolt (mV). Ou seja, um quadrado pequeno corresponde a 0,1 mV. Esta amplitude padrão é chamada de N. Se 1 mV corresponder ao dobro da amplitude normal, ou seja, 20 quadrados pequenos ao invés de 10, diz-se que a amplitude é 2N.

Para confirmar então que a padronização está normal, devemos procurar o retângulo que fica nas laterais do papel do ECG. Este retângulo deve ter 10 quadradinhos de altura e 5 quadradinhos de duração. Exemplo:

Segue um outro exemplo de um ECG com a configuração normal:

Se configurarmos o mesmo ECG para 2N (20mm/mV), a amplitude dos QRS ficará maior e poderíamos dar o diagnóstico de sobrecarga de ventrículo esquerdo de forma incorreta. Por isso é importante checar a padronização do ecg antes de interpretá-lo. 

Segue o ECG do mesmo paciente, no mesmo momento, com a configuração 2N:

Da mesma forma, se configurarmos para 50mm/s, poderíamos realizar o diagnóstico de bradicardia ou distúrbio de condução intra-ventricular quando não há nenhuma alteração, como no exemplo abaixo (do mesmo paciente anterior):

Como colocar os eletrodos no paciente?

Antes de começar a discutir a interpretação do eletrocardiograma, vamos explicar brevemente como realiza-lo. 

aparelho de ECG tem 10 cabos que ligaremos ao paciente. 

4 cabos serão conectados nos eletrodos ou pinças que serão colocados nos 4 membros do paciente. Esses eletrodos serão responsáveis pelo plano frontal, que será discutido no próximo tópico. Caso o paciente apresente amputação de algum membro, podemos colocar um eletrodo na porção proximal desse membro. 

E como colocar cada cabo destes? Basta seguir a padronização de cores:

Os demais cabos (6) serão conectados aos eletrodos precordiais (V1 a V6), que formarão o plano horizontal. 

Para saber onde colocar esses eletrodos, devemos ter um parâmetro anatômico para nos guiar. Entre o manúbrio e o esterno, é possível palpar o ângulo de Louis. Abaixo desse ângulo, o primeiro espaço intercostal que sentimos é o 2º espaço inter-costal (EIC). 

Isso é importante para nos guiar onde devemos colocar os eletrodos precordiais.

Isso é fundamental, pois a colocação errada dos eletrodos pode levar a uma interpretação inadequada do ECG. 

Existem outras derivações que podemos fazer para casos específicos. 

Em pacientes com infarto agudo do miocárdio, se suspeitarmos de acometimento de parede posterior, podemos utilizar o V7 e V8. (geralmente se utiliza os cabos de V5 e V6). 

Suas localizações são:    
• V7: 5º EIC, linha axilar posterior    
• V8: 5º EIC, linha hemi-escapular

Na suspeita de infarto de ventrículo direito, devemos realizar V3R e V4R (derivações direitas). 
Seguem os mesmos parâmetros de localização de V3 e V4, só que no hemitórax direito:    
• V3R: na borda esternal direita, entre 4º e 5º EIC    
• V4R: 5º EIC, na linha hemi-clavicular direita.

Devemos tomar cuidado também com o uso de excesso de gel para colar as derivações precordiais, pois isso pode causar um artefato chamado “grande eletrodo precordial”.

eletrodos V7, V8 e V9

Primeira dica: colocar eletrodos V7 a V9 quando houver suspeita de infarto “posterior” ou “dorsal”.

Mas e como faço para colocar estes eletrodos? Não posso apenas pedir para o pessoal da enfermagem fazer? Todo médico/estudante de medicina tem que saber isso. O que você vai fazer se estiver em um plantão e a enfermeira não souber como colocar estes eletrodos (o que não é incomum de ocorrer)? 

Pois bem, aí está a forma de colocar:

Qual é mesmo o nível do V6? Quinto espaço intercostal.

Mas que eletrodos eu vou usar para fazer isso? Meu aparelho de ECG não tem eletrodo específico para isso! Nenhum aparelho tem, não é só o seu. Você pode pegar qualquer eletrodo precordial e usar para este fim. Basta saber qual eletrodo você está colocando em que lugar. Normalmente usa-se os eletrodos de V4 a V6 para colocar no lugar de V7 a V9. Aí basta riscar depois os nomes V4 a V6 no ecg impresso e substituir por V7 a V9.

Mas sinceramente, vou usar mesmo isso na prática? Sim!!! Cerca de 4% dos IAMs são exclusivamente “dorsais” e portanto o supra nestes casos só pode ser visto por estas derivações. Exemplo: pcte chega ao PS com dor torácica contínua, típica, há 3 horas. ECG não mostra supra de 2 derivações contíguas contudo podemos ver onda R ampla em V1 e V2 associado à infra de ST de precordiais. Isso pode ser sinal de acometimento “posterior”.

Feito ECG com V7, V8 e V9, sendo demonstrado supra de ST em V8 e V9, o que confirmou o diagnóstico de IAM com supra de ST.

Dica: de V7 a V9, o critério para diagnosticar supra de ST é diferente das outras derivações. Desnivelamento ≥ 0,5 mm já fecha critério. 

interpretação do ECG

Para realizarmos uma análise do coração em um campo bidimensional, utilizamos as derivações para formar o plano frontal e o plano horizontal.

As derivações D1, D2, D3, aVF, aVL, aVR representam o plano frontal. 

São representadas da seguinte forma (sistema hexa-axial):

As derivações V1 a V6 representam o plano horizontal. 

Essas informações serão importantes na hora de definirmos o eixo normal do coração (átrio e ventrículo) e seus desvios.   

A interpretação do ECG deve seguir uma sequência padrão para não esquecermos de analisar nenhum detalhe. 

Segue uma sugestão para análise: 

Para começarmos a análise do ECG, é importante sabermos a idade, o sexo, e o biótipo do pacientes (peso e altura / IMC). Essas características podem influenciar no que consideramos normal (a determinação do eixo, por exemplo). 

Iniciaremos, então, a análise passo a passo do ECG. 

Dividimos essa análise em 12 passos, analisando na sequencia detalhes da onda P (4 itens), QRS (4 itens) e T (3 itens).

  • 1º passo: Identificação do paciente, idade, peso / IMC. Checar padronização.  
  • 2º passo: Onda P- Ritmo   
  • 3º passo: Onda P- Frequencia cardíaca   
  • 4º passo: Onda P- Sobrecargas atriais   
  • 5º passo: Onda P- Intervalo PR   
  • 6º passo: QRS- Orientação   
  • 7º passo: QRS- Duração   
  • 8º passo: QRS- Sobrecargas ventriculares   
  • 9º passo: QRS- Áreas inativas   
  • 10º passo: T- Segmento ST   
  • 11º passo: T- Morfologia de onda T   
  • 12º passo: T- Miscelanea – intervalo QT, onda U