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Complexo QRS

Orientação e duração do QRS

Iniciamos a análise do QRS avaliando a orientação do QRS (6º passo); normalmente, no plano frontal, se encontra entre -30º e +90º. Quando além de -30º, considera-se desviado à esquerda. Além de +90º, desvio para direita. No plano horizontal, considera-se normal quando orientado para trás (ou seja, QRS negativo em V1).

Quanto à duração do QRS (7º passo), considera-se normal até 110ms. Aumento na duração do QRS pode significar um distúrbio de condução intra-ventricular / bloqueio de ramo.  

Segue uma comparação de um ECG com QRS estreito e um com QRS largo.

O sistema de condução intra-ventricular compreende o feixe de His, os ramos direito e esquerdo, e as divisões do ramo esquerdo (ântero-superior, póstero-inferior e ântero-medial). A função desse sistema de condução é propagar rapidamente o estímulo para ambos ventrículos simultaneamente.

Quando ocorre um distúrbio de condução em um desses ramos, há um atraso na despolarização do ventrículo correspondente, levando a um alargamento do QRS (QRS> 120ms).

Vamos explicar rapidamente as principais diferenças dos bloqueios dos ramos direito e esquerdo.

No bloqueio do ramo direito, o estímulo percorre inicialmente o ramo esquerdo, despolarizando o septo esquerdo e a parede livre do VE, para depois despolarizar o VD.

No bloqueio do ramo esquerdo a despolarização ventricular é alterada desde o início. Como a despolarização ventricular é mais lenta, as primeiras porções despolarizadas (próximo ao endocárdio) são as primeiras a repolarizar, invertendo assim o sentido normal da repolarização. A onda T fica,então, negativa em relação ao QRS.

Para facilitar a avaliação, podemos observar inicialmente V1 e V6.

Se morfologia de M (rsR’) em V1 e S profunda em V6, BRD.

Se rS em V1 e morfologia de torre em V6, BRE.

Lembrar que outras situações podem apresentar QRS alargado, como batimento de marcapasso, batimento de escape ventricular ou extrassístole ventricular, aberrância de condução, alterações metabólicas (hipercalemia, intoxicação por digitálicos).

Sobrecargas ventriculares

Em relação às sobrecargas ventriculares (8º passo), devemos saber alguns índices para aplicar na prática.

Existem inúmeros índices utilizados para avaliar a sobrecarga de ventrículo esquerdo. Segue alguns critérios (SVE), com suas respectivas sensibilidades e especificidades:

• Sokolow-Lyon (S de V1 + maior R de V5 ou V6 ≥ 35mm – S 57% E 86%) 
• Cornell (R avL + S V3 ≥ 28mm se masc. ou ≥ 20mm se femin. – S 42% E 96%) 
• R de avL ≥ 11mm (S 13% E 99%) 
• Romhilt-Estes ≥ 5 pontos (escore que pontua vários achados: 3pts se S de V1 ou V2 OU R de V5 ou V6 ≥ 30mm; 3pts se strain; 3pts se SAE; 2pts de desvio para esquerda além -30º; 1pt se QRS ≥ 90ms e 1pt se deflexão intrínseca em V5 ou V6 ≥ 50ms – início do QRS ao pico de R – S 52% E 97%).

Segue um exemplo de um paciente com sobrecarga ventricular esquerda secundária à insuficiência mitral importante:

Abaixo, exemplo de SVE por cardiomiopatia hipertrófica:

Quando à Sobrecarga de ventrículo direito (SVD), os critérios são:

  • Desvio do eixo para direita (> +90º em adultos e > +110º em crianças)
  • Desvio do eixo para frente (QRS positivo em V1)
  • Ondas S em V5 / V6 ≥ 7mm 
  • Alterações de repolarização – strain de VD

A seguir um exemplo de uma paciente adulta com sobrecarga de ventrículo direito secundária à comunicação inter-atrial não corrigida.

Lembrar também que as sobrecargas de VD e VE podem coexistir no mesmo pcte. Um bom exemplo disto pode ser visto no ecg abaixo de um pcte com cardiomiopatia restritiva e sobrecarga biatrial e biventricular:

Quais os critérios de Sokolow para diagnosticar sobrecarga de ventrículo esquerdo?

Maurice Sokolow e Thomas P. Lyon descreveram em 1949 o que seria provavelmente o critério de sobrecarga de ventrículo esquerdo (SVE) mais conhecido da história da medicina. este artigo eles concluíram que enquanto que a soma da onda R de V5 ou V6 mais a onda S de V1 era superior a 35 mm em 32% dos pacientes com hipertrofia de VE (HVE), nenhum indivíduo saudável (sem HVE) apresentava o critério alterado.

Exemplo prático de como calcular:

Neste caso, somando-se a onda S de V1 (26 mm) com a onda R de V6 (26 mm) temos 52 mm, bastante superior aos 35 mm propostos por Sokolow e Lyon.

Mas e a derivação aVL colocada no canto direito da figura acima? Pois é. Este é o outro critério famoso de Maurice Sokolow. Onda R em aVL com amplitude superior a 11 mm = SVE.

Resumindo:
● R V5 ou V6 + S de V1 > 35 mm = SVE
● onda R de avL > 11 mm = SVE

Como diferenciar sobrecarga sistólica de sobrecarga diastólica?

Ao detectarmos presença de sobrecarga de ventrículo esquerdo (SVE) pelo ECG, podemos tentar definir melhor qual o mecanismo responsável por este achado. Há basicamente dois tipos de SVE. Uma causada por sobrecarga sistólica que ocorre quando há algum grau de dificuldade de esvaziamento do VE durante a sístole. Exemplos clássicos seriam a estenose aórtica e a hipertensão arterial sistêmica. O outro tipo de SVE ocorre devido à sobrecarga diastólica, que seria decorrente do excesso de volume dentro da câmara ao final da diástole. O exemplo clássico para isto seria a insuficiência aórtica, condição que gera os maiores volumes ventriculares na cardiologia.

Na década de 50, Cabrera descreveu padrões distintos para cada tipo de SVE. Na SVE do tipo sistólica, observava-se presença de ondas R amplas em V5 e V6 acompanhadas de ondas T negativas e assimétricas (padrão strain). Exemplo abaixo de paciente com miocardiopatia hipertensiva:

Já na SVE do tipo diastólica, observava-se ondas R amplas em V5 e V6, muitas vezes precedidas por uma pequena onda q, sendo o complexo QRS sucedido por ondas T positivas. Abaixo segue exemplo de paciente com insuficiência aórtica importante.

E por que eu nunca havia escutado falar nessa classificação antes? Na verdade, esta classificação não tem uma acurácia tão boa. As diretrizes americanas de ECG inclusive recomendam que os termos SVE diastólica e sistólica sejam evitados, assim como o termo padrão strain. Contudo, para nós parece ser um aspecto histórico da eletrocardiografia interessante de ser lembrado. Apesar de não funcionar sempre, é um dado a mais para ajudar no raciocínio clínico.

Áreas eletricamente inativas

Por último (na avaliação do QRS), vamos analisar a presença de áreas inativas. Para isso, devemos avaliar a presença de onda Q patológica em uma determinada topografia.

A onda Q patológica deve ter pelo menos 40ms de duração (1mm) e apresentar pelo menos 1/3 da amplitude do QRS, em 2 derivações vizinhas.

Didaticamente, podemos dividir o diagnóstico topográfico da seguinte forma:

  • Parede anterior: V1 a V2 – septal; V1 a V4 – anterior; V1 a V6 – anterior extenso; V5, V6, DI e avL – lateral.
  • Parede inferior: DII, DIII, avF 
  • Parede dorsal: V7 e V8 
  • Ventrículo direito: V3R, V4R (derivações direitas)

Segue um exemplo de um ECG com área inativa inferior:

Mas área eletricamente inativa então é sinônimo de área infartada? Não! Como o próprio nome diz a área eletricamente inativa é uma região do miocárdio que não reage à ativação elétrica normalmente como o miocárdio saudável costuma fazer.. De fato, a causa mais comum na prática clínica para isto é a ocorrência prévia de um infarto agudo do miocárdio. Em decorrência deste, surge uma região de fibrose no local que antes era miocárdio normal e esta fibrose é eletricamente inativa. Contudo, há outras causas para este processo. Um exemplo disso são as doenças de depósito (ex: amiloidose, hemocromatose, etc). Nestas patologias, há deposição de substâncias eletricamente inertes no local que antes era ocupado por miocárdio saudável, gerando assim a presença de uma área eletricamente inativa. Pelo ecg, não é possível dizer se determinada área eletricamente inativa é fruto de infarto prévio ou de amiloidose, por exemplo. O contexto geral do quadro clínico e dos exames complementares é que definirão isto.

No exemplo a seguir podemos ver um caso de pcte com amiloidose cardíaca e área eletricamente inativa anterosseptal. Pode-se questionar também a presença de AEI em parede inferior.